Enquanto estava na estrada com a turnê de Victory, Michael Jackson comprou a ATV Music Publishing Company pela impressionante quantia de 47,5 milhões de dólares. A aquisição, considerada a maior compra, por uma única pessoa, de direitos autorais desse tipo na história. As sementes do empreendimento haviam sido plantados alguns anos antes, quando Michael estava em Londres para gravar o sucesso "Say, Say, Say" com Paul McCartney nos Estúdios Abbey Road. Michael ficou amigo de Paul e Linda McCartney durante essa estadia. Uma noite, depois do jantar, Paul mostrou a Michael um grosso catálogo de títulos de canções das quais detinha os direitos, incluindo a maior parte do material de Buddy Holly e sucessos como "Autumn Leaves", "Sentimental Journey" e "Stormy Weather".
"É assim que se ganha dinheiro de verdade", disse Paul. "Cada vez que alguém grava alguma dessas músicas, eu recebo. Cada vez que alguém toca essas músicas no rádio, ou em apresentações ao vivo, eu recebo."
"Você está brincando, não está?", disse Michael.
"Pareço estar brincando?", respondeu Paul, sério. Na verdade, dizia-se que Paul ganha mais de 40 milhões de dólares ao ano com direitos autorais de execução e gravação de músicas que não foram compostas por ele.
Michael ficou intrigado. Ele era dono dos direitos de suas próprias músicas - a obtenção desses direitos fora um dos motivos pelos quais ele e sua família tinham deixado a Motown e o catálogo de Berry Gordy, a Jobete - , mas ele sempre achara um tédio o negócio de direitos autorais, algo que se preocupava principalmente com o recolhimento de royalties e licenciamentos para outros veículos de mídia. Paul explicou que o mundo dos direitos autorais podia ser lucrativo, especialmente graças à explosão dos CDs e ao crescente uso de músicas famosas em propagandas, filmes e programas de televisão. Os autores costumavam perder os direitos por dois motivos: às vezes os vendiam para ganhar um dinheiro imediato - uma atitude míope, principalmente hoje em dia, em que a indústria da música gera tanto dinheiro -, e com frequência os perdiam por ignorância, como no caso dos Beatles, que simplesmente abriram mão deles quando eram ingênuos e ainda não sabiam nada de nada.
Quando jovens, Paul McCartney e John Lennon haviam vendido seus direitos para um editor chamado Dick James. James acabou ganhando uma fortuna com as canções dos Beatles. Depois, no final dos anos 60, enquanto tanto McCartney como Lennon estavam em suas respectivas luas de mel, James vendeu a Northern Songs - a empresa que continuou detentora dos direitos das composições dos Beatles - à ATV Music Ltd., de sir Lew Grade. Os bens da ATV foram mais tarde comprados pelo grupo Bell, do executivo australiano Robert Holmes à Court. McCartney e Lennon dividiam com a ATV a renda gerada por 251 músicas de sua autoria compostas entre 1964 e 1971 - incluindo "Yesterday", "Michelle", "Help", "A Hard Day's Night", "The Long and Winding Road", "Hey Jude", "Let It Be" e muitas outras. A ATV também detinha os direitos de publicação de milhares de outras composições, incluindo músicas das Pointer Sisters, de Pat Benatar e de Little Richard (entre elas "Tutti Frutti", "Long Tall Sally", "Rip It Up" e "Lucille").
Quando Michael voltou aos Estados Unidos, mencionou o catálogo de títulos de Paul a John Branca (seu advogado) e disse que queria comprar alguns direitos autorais, "como Paul". John pesquisou e apresentou a Michael uma lista de músicas à venda. A primeira aquisição de Michael foi o catálogo de Sly Stone, incluindo todos os clássicos pop de Sly dos anos 70, como "Everyday People", "Hot Fun in the Summertime" e "Stand!" ("Stand!" foi a música que o Jackson 5 apresentou em sua primeira aparição no The Ed Sullivan Show. Agora Michael era seu dono). Por menos de um milhão de dólares, Michael também comprou alguns outros títulos, incluindo dois sucessos de Dion - "The Wanderer" e "Runaround Sue" -, "1-2-3" de Len Barry, e "Expressway to Your Heart", dos Soul Survivors.
Nos meses seguintes, Michael esteve preocupado demais com a turnê de Victory para se concentrar em negociações com direitos autorais. Mas, em setembro de 1984, quando John Branca foi à Filadélfia para se reunir com Frank Dileo e Michael para discutir problemas daquela turnê, John mencionou casualmente a disponibilidade do catálogo da ATV. Michael não sabia bem que tipo de música a ATV representava.
"Por acaso ela inclui algumas coisas que podem te interessar", brincou John.
"Como o quê?, perguntou Michael.
"A Northern Song."
Michael ficou animado. "Você não quer dizer a Northern Song, quer?"
"Sim, Mike", disse John. Ele não conseguiu conter seu entusiasmo. "Estamos falando dos Beatles, cara. Dos Beatles."
Na verdade, Paul McCartney havia tentado comprar a ATV em 1981. Ele pediu a Yoko Ono que comprasse a editora com ele, por 20 milhões de dólares, 10 milhões cada um, mas ela achou que era muito dinheiro e não quis. Como Paul não queria gastar 20 milhões de dólares, o negócio não vingou.
John advertiu Michael de que havia forte competição na batalha de lances por músicas tão famosas. "Não me importo", declarou Michael. "Quero essas músicas. Consiga as músicas para mim, Branca."
John disse que ia ver o que podia fazer. Ligou para John Eastman, advogado e genro de Paul McCartney, e perguntou se Paul estava planejando fazer uma oferta pelo catálogo. "Não", disse Eastman. "É caro demais".
Poucos dias depois, Yoko Ono telefonou para John e disse que tinha ouvido boatos de que Michael estava interessado em comprar a ATV. Passou então 45 minutos tentando fazer John acreditar que comprar o catálogo era uma péssima ideia. John comentou a conversa com Michael. "Ela evidentemente quer o catálogo", disse Michael, "mas não quer gastar a grana. Está torcendo para que o preço caia se eu não comprar. Então compre, Branca."
Os meses seguintes foram cheios de intensas e frustrantes negociações. Competindo nas ofertas contra Michael estavam a Entertainment Company, de Charles Koppelman e Marty Bandier; a Virgin Records; o magnata do mercado imobiliário, Samuel J. Lefrak; e o financista Charles Knapp. John Branca, certo dia, chegou a suspender completamente a negociação.
Ao longo desses tensos oito meses, Paul McCartney voltou a tentar convencer Yoko Ono a fazer uma proposta em sociedade com ele. Quando Yoko repetiu que não estava interessada, Paul decidiu não dar um lance.
Quando Koppelman e Bandier cobriram a oferta de Michael, de 47,5 milhões de dólares, com uma de 50 milhões, Michael ficou arrasado. "Branca, não podemos perder agora", disse. "Você tem de fazer alguma coisa. Sei que concordamos que não gastaríamos mais de 41 milhões, mas estou disposto a gastar."
A oferta de Koppelman e Bandier estava sendo financiada pela MCA, então John telefonou para o chefe da empresa, Irving Azoff. "Cara, você não pode dar dinheiro para esses sujeitos comprarem o catálogo", disse John a Irving. "Você sabia que eles estão competindo com Michael nesse negócio? Lembra que você foi consultor da turnê de Victory?"
"John, não se preocupe", disse Irving Azoff. "Vou cuidar disso".
Azoff puxou o tapete de Koppelman e Bandier, recusando-se a financiar a oferta. John Branca havia posto Michael de volta ao comando.
Em pouco tempo, Robert Holmes à Court estava ligando para John Branca e praticamente implorando que ele fosse a Londres fechar o negócio.
Depois de se tornar procurador de Michael, John foi à Inglaterra e fechou o negócio em 24 horas. John ligou para Michael para lhe dar as notícias, a boa e a ruim. A ruim: ele estava 47,5 milhões de dólares mais pobre. A boa: era o dono da ATV.
Michael custou a acreditar na sorte que tivera. Não se pode dizer o mesmo de Paul McCartney, que falou: "Alguém me ligou um dia e disse: 'Michael comprou suas músicas'. Eu disse: 'O quê?!'. Acho esquisito fazer as coisas desse jeito", reclamou Paul. "Ser amigo de uma pessoa e depois comprar o tapete no qual ela está pisando."
Depois do fechamento do negócio, Michael tentou telefonar a Paul para discutir o assunto. Conhecendo sua personalidade, provavelmente não foi uma coisa fácil para Michael, mas mesmo assim ele ao menos tentou. No entanto, quando telefonou, Paul desligou na sua cara. No fim, Michael concluiu: "Paul arranjou um problema para si mesmo, e cansei de tentar ser legal. Pior para ele. Consegui as músicas, e isso encerra o assunto".
Robert Hilburn, em sua análise da compra da ATV num artigo para o Los Angeles Times, explicou a aquisição de Michael em dólares e centavos. "Se, por exemplo, 'Yesterday' gera 100 mil dólares ao ano em royalties por venda de discos, reproduções e apresentações ao vivo, McCartney e o espólio de Lennon - como coautores - dividem cerca de 50% dessa renda, cerca de 25 mil dólares cada um. O editor - agora Michael Jackson - fica com os outros 50%. O editor também controla o uso da música em filmes, comerciais e produções teatrais." O álbum Yesterday, em particular, provavelmente rende bem mais que isso.
Assim que Michael fez a aquisição, ele e seus representantes analisaram estratégias para que ela se pagasse. Ele contratou uma equipe para desenvolver uma série de antologias e quatro filmes usando a música dos Beatles - incluindo Strawberry Fields, um filme de animação; Back in the USSR, baseado em cantores de rock russos; e filmes baseados em "Eleanor Rigby" e "The Fool on the Hill". Michael também pensou em cartões musicais e em caixinhas de música. Quando licenciou "Revolution" para um comercial de tênis da Nike, obteve o consentimento de Yoko Ono, mas não o de Paul McCartney.
No final, porém, Paul teve de aceitar a decisão de Michael. Cada vez que cantava uma das músicas que tinha composto entre 1964 e 1971, Paul tinha de pagar a Michael.
Quando Michael vendeu "All You Need is Love" à Panasonic por 240 mil dólares, Paul finalmente telefonou para ele e lhe disse que estava indo longe demais. Michael não chegou a desligar na cara dele. Explicou que acreditava que usar a música dos Beatles em comerciais permitia que ela atingisse uma geração totalmente nova de fãs, que passaria então a comprar os discos dos Beatles. "Simplesmente não gosto da ideia de que Michael Jackson seja a única pessoa no mundo com o direito de julgar quais músicas dos Beatles podem ser usadas em comerciais", disse Paul mais tarde. "Ele fez uma lista! Não entendo como ele pode ter esse poder."
Paul disse esperar que "All You Need is Love" continuasse sendo um hino dos anos 60, e não que se transformasse em jingle para uma "porra" de sistema de som. "E também não quero que 'Good Day Sunshine' vire um biscoito Oreo", reclamou, "o que me disseram que ele fez. Na minha opinião, isso é muito baixo. Não acho que Michael precise do dinheiro."
Por outro lado, Paul é dono do catálogo de Buddy Holly, e havia explorado comercialmente as músicas de Holly muitas e muitas vezes, porque, como explicou, "o próprio Buddy fazia comerciais, e a viúva dele realmente quer que ganhemos dinheiro com comerciais. É decisão dela".
Yoko parecia satisfeita com o que Michael fizera com o catálogo dos Beatles, e chamara de "uma bênção" o fato de ele possuí-lo. Ela disse em novembro de 1990: "Executivos que não são artistas não teriam a consideração que Michael tem. Ele adora as músicas. É muito cauteloso. Talvez houvesse muitas discussões e impasses se eu e Paul fôssemos os donos juntos. Nem eu nem Paul precisamos disso. Se Paul ficasse com as músicas, as pessoas teriam dito: 'Paul finalmente pegou John'. E, se eu as conquistasse, diriam: 'A mulher-dragão ataca novamente.'"
Em 1990, Paul e Michael se encontraram para discutir o que Paul chamou de "esse problema dos direitos". Paul lembrou: "Expliquei minha opinião para ele da seguinte forma: quando fechamos nosso acordo, eu e John nem sabíamos o que eram direitos. Achávamos que as músicas ficavam no ar e que todos eram seus donos. Hoje, até as crianças sabem mais que isso. No ano passado, 'Yesterday' ultrapassou a marca dos cinco milhões de reproduções nos Estados Unidos, coisa que nenhuma outra música já tinha conseguido. Nem mesmo 'White Christmas'. Mas ninguém nunca chegou para mim e disse: 'Ei, cara, acho que você precisa mesmo de um bônus. Você fez muito por essa empresa'. Então, porra, o que está acontecendo? Você acha que eu tenho de me contentar pelo resto da minha vida em ficar preso a um acordo que assinei quando era um garoto inexperiente de 20 anos? Fiz muita coisa por essa empresa".
Michael agiu como se não estivesse entendendo o que Paul lhe dizia. Paul, portanto, deixou as coisas bem claras. "Eu queria que, no acordo, ele reconhecesse que eu sou um grande compositor da empresa da qual ele agora é o dono", lembra Paul McCartney.
Michael disse a Paul que não queria "magoar ninguém", e Paul disse que ficou satisfeito em ouvir isso. "Ele é um cara sincero, esse Mike", afirmou então um Paul bem mais calmo. Michael lhe prometeu que tentaria pensar em alguma coisa.
No dia seguinte, John Eastman, procurador de Paul, telefonou para John Branca e lhe informou que Paul e Michael tinham concordado em renegociar royalties maiores para as músicas dele. John foi conferir com Michael. "Que diabo, não, não disse isso a Paul", declarou Michael, irritado.
John transmitiu o comentário de Michael para o procurador de Paul.
"Então está bom. Vamos processá-lo", ameaçou Eastman.
"Fique à vontade", disse-lhe Branca.
Quando John contou a Michael que Paul podia processá-lo, Michael deu risada. "Ótimo. Que ele faça isso, então", disse. "Nesse meio-tempo, licencie mais algumas músicas, Branca.
Uma pessoa próxima a Michael disse: "Intimamente, o que Michael achava era que Paul tivera duas chances de comprar a empresa. Nas duas fora pão-duro. Lembre-se de que Paul é tido como o artista mais rico do mundo, com bens avaliados em cerca de 560 milhões de dólares. Em uma ano, seus royalties somam 41 milhões de dólares." Michael disse: "Se ele não quis investir 47,5 milhões em suas próprias músicas, não devia me procurar chorando agora". "Consegui as músicas honestamente", disse. "Elas são minhas, e ninguém pode vir me dizer o que fazer com elas. Nem mesmo Paul McCartney. Então é bom ele se acostumar com isso".
Em 1995 Michael uniu a ATV Music Publishing LLC com a Sony Corporation of America, formado a Sony/ATV Music Publishing LLC. A Sony pagou 90 milhões de dólares por 50% da ATV. A Sony é só uma parceira de Michael Jackson, cada um fatura 50% com direitos autorais das músicas do catálogo.
Foi informado pelo biografo John Blaney que o catálogo tem o valor de 30 bilhões de dólares. O catálogo Sony/ATV detém os direitos de mais de 300 mil músicas e é o maior do mundo.