quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

BIOGRAFIA: ERA OFF THE WALL

“Não há como se preparar para o sucesso”, Quincy Jones havia comentado. “Especialmente para o maior sucesso já ocorrido na história da música”. Ao final da década de 1970, Michael Jackson estava pronto para enfrentá-lo e forjar seu próprio caminho musical. Um sucesso sem comparação era iminente.

Na entrada dos seus vinte anos, Michael foi escalado para atuar em O Mágico Inesquecível (The Wiz), uma refilmagem cara, uma versão afro-americana do clássico com Judy Garland, O Mágico de Oz. Michael ganhou o papel do Espantalho (que, como se sabe, não tinha cérebro). Quincy Jones fora contratado como supervisor musical e escreveu a trilha. Foi ai que Michael Jackson conheceu Quincy Jones. O versátil Jones já desfrutava de uma carreira formidável, tendo trabalhando com Frank Sinatra, Ray Charles, Aretha Franklin e Ella Fitzgerald, além de compor para vários filmes. Os dois se tornaram grandes amigos e Michael pediu a Jones para produzir seu primeiro álbum solo “de verdade” – seu primeiro “de gente grande”. Foi uma boa jogada para os dois. “Ele não tinha certeza de que conseguiria fazer tudo sozinho”, disse Jones. “E eu também, no começo, tinha minhas dúvidas”. Houve contribuições de compositores do calibre de Stevie Wonder e do integrante do Heatwave, o sistematicamente subestimado Rod Temperton. Jackson, que escreveu três canções e coproduziu três faixas, declarou mais tarde: “Quando Quincy e eu começamos, sentamos e discutimos exatamente o que queríamos e saiu tudo como planejamos”.

Off The Wall, lançado em 10 de agosto de 1979, moldou o novo Michael Jackson: as canções, os ritmos, a aparência e o estilo que o tornariam o maior astro do mundo. Foi o primeiro álbum solo a conseguir quatro primeiros lugares nas paradas dos EUA. Ganhou sete discos de platina por lá e tornou seu nome conhecido no mundo todo. Vendeu 20 milhões de cópias, um número altíssimo – pelo menos em tempos pré-Thriller. A capa mostrava Michael com um grande sorriso, vestindo um smoking e usando as meias brancas que se tornaram sua marca registrada. “O smoking foi idéia nossa para o projeto e para o pacote”, disse seu empresário. “As meias foram idéia dele.” Off The Wall foi o ponto em que Michael saltou sobre o muro, cruzou a ponte do profissional já bastante admirável para gênio incomum e nada convencional.

Sobre os créditos de suas composições em geral, Michael tinha a modéstia de rir: “Sinto uma certa culpa quando tenho de colocar meu nome nas músicas que componho. É verdade que escrevo e componho cada uma delas, escrevo as partituras, as letras e as melodias. Mas ainda é... é um trabalho de Deus!”. As sessões de gravação aconteceram entre dezembro de 1978 e 1979 em Los Angeles, nos estúdios Allen Zentz, Westlake e Cherokee.
Quincy Jones acredita que eles de fato se arriscaram bastante. Quando chamou Temperton, inicialmente sugeriu que ele apresentasse três músicas para que a melhor fosse selecionada, mas Jackson gostou de todas as três (“Off The Wall”, “Rock With You” e “Burn This Disco Out”). Ele gravou os vocais para todas as três em duas sessões, tendo varado a noite anterior decorando as letras. Ele achava que assim conseguiria interpretar as músicas sem precisar se guiar pelas partituras a todo instante, que poderia, enfim, se expressar melhor. Temperton contou que se preparou previamente pesquisando a fundo o estilo de Michael e que compôs melodias com notas curtas e agressivas, mais adequadas à sua técnica vocal vigorosa.

Desde os primeiros segundos eufóricos de “Don’t Stop ‘Til You Get Enough” (que, segundo contam, foi escrita por Jackson em sua cozinha), pode-se ouvir a magia. Como ele mesmo diz, numa definição perfeita: “Ooohh!”. Esta faixa, o primeiro single, é um misto irresistível de ritmo disco (talvez inspirado pelas músicas atemporais dos Bee Gees para Saturday Night Fever) e gritos, grunhidos, gemidos e uivos emocionantes. Jackson foi muito corajoso experimentando artifícios que poucos outros vocalistas se atreveriam a experimentar. Diz-se que a mãe de Jackson achava tudo aquilo um pouco “sugestivo” demais. Quincy, corretamente, o incentivava. “Todos cantavam em tom mais agudo na Motown, até o Stevie Wonder”, comentou o produtor. “Eu queria sentir todo o alcance da voz dele, queria que ele lidasse com temas maduros”. Sensualidade e música não eram propriamente uma combinação nova, mas essa mistura carregada de desejo e a sensação de um poder maior se manifestando não tinham sido ouvidos antes, a não ser com Al Green, James Brown e Marvin Gaye. As cordas de Jones se mesclavam perfeitamente com o ritmo. A música envolvia e imediatamente convencia a gente a mergulhar de cabeça e com o corpo em movimento. O escritor Nelson George escreveu em um artigo de 2004 que “o argumento a favor da grandeza de Jackson no estúdio de gravação começa com os arranjos que ele faz para esta canção. As camadas de percussão e de vocais, ambos coreografados com arte para criar impacto e êxtase na pista de dança, ainda embalam festas no século XXI”.

“Rock With You” era uma amostra igualmente fluida e consistente de soul-swing. Justin Timberlake, quase um quarto de século mais tarde, baseou a maior parte de toda sua produção gravada nas idéias daquele arranjo. A música título, “Off The Wall”, é um hino funkeado com naturalidade para o espírito liberador da explosão disco. Sua própria composição “Working Day And Night” – uma música mais forte do que “Girlfriend”, do Paul McCartney – é outra explosão disco que não deixa ninguém ficar parado. A tremulante “She’s Out Of My Life” reescreveu as regras de como se cantar uma balada. Jones declarou à revista Time: “Era uma canção que Tommy Bahlor escreveu sobre o fim muito ruim de um casamento, e que estava guardando para Frank Sinatra, mas eu ofertei ao Michael. Porque eu acho que ele jamais tinha lidado com uma emoção tão profunda em uma relação romântica. Ele chorava em todas as tomadas que fizemos. Deixei as lágrimas registradas no disco, pois era algo muito real”. Nelson George também fez altos elogios para essa música. “Tornou-se uma marca registrada de Jackson, de forma parecida ao que aconteceu com ‘My Way’ e Frank Sinatra. A imagem de vulnerabilidade beirando a fragilidade, que depois se entranharia na figura de Michael, talvez tenha encontrado sua expressão máxima nesta balada melancólica.”

De forma menos glamurosa, naquele ano ele havia quebrado o nariz durante uma ambiciosa coreografia e teve de ser operado. A operação não foi um sucesso: ele se queixava de dificuldade para respirar e dizia que isso afetara seu canto. Outras rinoplastias e operações se seguiram. Katherine também estava preocupada. “Ele anda quieto agora”, ela disse. “Quando ele era mais jovem, não era tão calado. Acho que o estrelato pode ter influído nisso. Onde quer que ele vá, todos se aproximam de Michael Jackson para ver como ele é. Ele diz que se sente como um animal em uma jaula.” Por outro lado, Michael continuava a afirmar a seus interlocutores que se sentia mais feliz e mais confortável no palco do que na comunicação pessoal do dia a dia. Quando um jornalista perguntou se ele já havia imaginado se retirar dos palcos algum dia, ele riu imediatamente: “De jeito nenhum! Don’t Stop ‘Til You Get Enough (Não pare até ter o bastante!)”. Enquanto isso, uma de suas músicas da Motown, a penetrante canção “One Day In Your Life”, surpreendeu ao chegar ao topo da parada na Grã-Bretanha em junho de 1981.



Um dançarino profissional assim comentou a agilidade de Michael: “É a combinação de movimentos que realmente lhe dá destaque como artista. Gira, para, eleva a perna, abre a jaqueta, vira, fica imóvel. E o deslizamento em que ele anda para a frente, mas vai para trás. Faz uma pirueta tripla e termina com um salto na ponta dos pés. Esta é uma marca registrada e um movimento que poucos profissionais de ponta arriscariam. Se algo sai errado, você pode se machucar muito”. Dizem que Michael comentou: “Quando eu dançava, me sentia tocado por algo sagrado. Nesses momentos, sentia meu espírito subir e se fundir com tudo o que existe. Eu me tornava a lua e as estrelas, eu me tornava o amante e o amado”.

Michael continuou a passar por mudanças turbulentas. As relações com a família ficaram abaladas. Ao fazer 21 anos, em agosto de 1979, corajosamente despediu Joe Jackson, que era seu empresário. Substituiu o pai pelo advogado John Blanca, dizendo a ele que queria se tornar “O maior e mais rico” astro do entretenimento. Lamentou (o que ele via como) a falta de aclamação por Off The Wall, dizendo que era “totalmente injusto não ter ganho o prêmio de Disco do Ano e que isso não pode se repetir”. Também estava chateado com o que percebia como racismo. Ofereceu uma entrevista com uma história para sair como chamada de capa da revista Rolling Stone, em 1980, mas quando a matéria não recebeu luz verde ele comentou, contrariado: “Já me falaram muitas e muitas vezes que negros estampados em capas de revistas voltadas para o público negro não vendem. Mas esperem. Algum dia essas revistas vão implorar para me entrevistar. Talvez eu conceda. Mas pode ser que não”.
Michael nem sempre se sentia bem quando estava só, e o jovem artista obviamente estava achando difícil lidar com as crescentes pressões do estrelato internacional. O solitário astro infantil estava se tornando um solitário astro adulto.

“Mesmo em casa eu me sinto solitário”, confessou. “Às vezes sento em meu quarto e choro. É tão difícil fazer amigos... De vez em quando ando pela vizinhança à noite, simplesmente esperando encontrar alguém com quem conversar. Mas acabo simplesmente voltando para casa.”
Enquanto isso, Off The Wall continuava a encantar o mundo, quebrando recordes por toda parte. No American Music Awards, ganhou os prêmios de Álbum Favorito de Soul/R&B, Artista Favorito de Soul/R&B e Single Favorito de Soul/R&B (por “Don’t Stop ‘Til You Get Enough”). Surpreendentemente, só recebeu um prêmio Grammy, por Melhor Performance Vocal Masculina de R&B por “Don’t Stop ‘Til You Get Enough”, mas ganhou os prêmios da revista Billboard de Melhor Artista Negro e Melhor Álbum Negro.

A premiação do Grammy tentaria compensá-lo amplamente pela falta de visão mais tarde. Como uma espécie de prêmio adicional atrasado, o álbum Off The Wall foi incluído em 2008 no Hall da Fama do Grammy. No entanto, a relativa falta de entusiasmo do Grammy incomodou o ambicioso Jackson. “Não fiquei muito satisfeito com o modo como Off The Wall foi recebido”, ele declarou. “Eu afirmei para mim mesmo que não permitiria que me ignorassem no meu álbum seguinte. Eu mergulhei de corpo e alma nele.”
Como um marco ágil, flexível e maleável que determinou o som pós-Motown das discotecas, cheio de sofisticação e suor, Off The Wall mereceu todos os prêmios que ganhou. (Jackson também estava demonstrando uma determinação de ferro em casa. Havia assumido a propriedade da família em Encino, reformando-a e dando-lhe uma falsa aparência de mansão Tudor, com uma minirréplica da Main Street da Disneylândia dos EUA e inúmeros animais que passeavam pelos gramados.)




O lugar de Off The Wall na história da música está garantido. Em 2003, a revista Rolling Stone o listou entre os melhores álbuns de todos os tempos. “O álbum que firmou como um artista de talento impressionante e um astro com brilho próprio”, escreveu Stephen Thomas Erlewinw na Allmusic. “Foi um álbum visionário, um disco que encontrou um meio de escancarar a música disco para um novo mundo, no qual a batida era algo inegável.” Outros críticos o saudaram como o trabalho de um “vocalista agudamente dotado”, como um “balbuciar de tirar o fôlego, encantador”. A Rolling Stone, comparando sua transição de jovem astro para um artista sofisticado à altura de Stevie Wonder, sugeriu que sua “voz de tenor de timbre suave é extraordinariamente bonita. Desliza suavemente para um falsete surpreendente que é utilizado de forma bastante ousada”. Os avanços de Michael eram universalmente reconhecidos. No Reino Unido, Philip McNeil, da Melody Maker, o denominou “talvez o melhor cantor do mundo no momento em termos de estilo e técnica”. Mais recentemente, a Blender reafirmou sua premonição como “um LP de festa de arromba que já olhava para além do funk, vislumbrando o futuro da dance music, e para além das canções soul, numa guinada para o estilo ‘arrasa-coração’ – na verdade, para além do R&B, para o pop daltônico”. Com certeza, independente do que estivesse acontecendo longe do estúdio e dos palcos, Michael estava cantando com o que o biógrafo J. Randall Tarborrelli chamaria de “alegria e paixão”.































































“Ele é um dos últimos inocentes vivos que mantém pleno controle sobre sua vida”, disse certa vez sobre seu amigo o magnata do cinema Steven Spielberg. “Jamais vi alguém como Michael. Ele é um astro infantil emotivo, mas mantém o pleno controle. Às vezes parece hesitante nos limites do lusco-fusco, mas há um grande planejamento consciente por trás de tudo o que ele faz. É muito perspicaz sobre sua carreira e sobre as escolhas que faz. Acho que definitivamente é um homem de duas personalidades.”

Jackson e Quincy Jones ainda trabalhariam juntos por mais nove frutíferos anos. Michael jamais escondeu seu desejo de se tornar o maior nome do ramo do entretenimento, e, quando ele e Jones voltaram a se reunir em 1982 para construir a sua máxima obra-prima, esse foi seu objetivo declarado.

E ele fez e aconteceu.

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