quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

BIOGRAFIA: ERA THRILLER

“Tínhamos uma equipe ótima, muito talento e boas idéias”, disse Michael Jackson, seu um pingo de humildade. “Eu sabia que podíamos fazer qualquer coisa. O sucesso de Thriller transformou muitos dos meus sonhos em realidade.” 

Foram 42 minutos que transformaram para sempre o modo como a música pop respirava, andava e falava.

Essa transformação começou no final de agosto de 1982, quando um Michael de 23 anos voltou a entrar no Westlake Audio, Studio A, em Beverly Boulevard, Los Angeles – onde muitas das sessões de gravação de Off The Wall haviam sido realizadas – para começar a trabalhar em seu novo álbum. Se Off The Wall o havia estabelecido como artista adulto de R&B, Thriller o consagraria como uma estrela radiante. Michael era tão ambicioso que, enquanto todos os outros envolvidos estavam orgulhosos, ele estava desapontado por Off The Wall não ter obtido ainda mais sucesso. Michael era orgulhoso, tímido e intenso. Não gostava de intromissão dos meios de comunicação gerada pela fama, mas, como tantas outras celebridades, perversamente a perseguia. Sua família fazia o possível para proteger a galinha dos ovos de ouro mas, ressentido com os parentes próximos, ele estava assumindo os negócios e gerenciando os seus interesses longe da esfera do clã. Embora a indústria do disco estivesse passando na época por uma de suas espirais descendentes, ele queria que tudo o que fosse ligado a Michael Jackson crescesse. Ele queria criar e se tornar um gigante.

“Eu queria fazer um álbum em que cada canção fosse um sucesso”, ele declarou. “Por que algumas são chamadas ‘músicas de álbum’? Por que cada canção não pode ser boa o suficiente para que as pessoas queiram adquiri-la num formato de single?”. Antes da gravação ele expressou seu desejo: “O próximo álbum tem que ser três vezes melhor. Não pode ser igualmente bom, porque seria uma decepção. Vamos nos dedicar a fazer a coisa certa. Sou perfeccionista. Vou fundo. Vou trabalhar até cair”. Quincy Jones, mais experiente, comentou: “Não se pode esperar o mesmo tipo de sucesso que conseguimos com Off The Wall. Os mercados mudaram...”, mas Michael não se deixou convencer. E sua visão prevaleceu.

Os dois foram ainda mais exigentes na seleção de músicas do que haviam sido no álbum anterior, examinando centenas de canções para encontrar o que havia de melhor. As discussões eram acaloradas. “Viramos esse álbum de cabeça para baixo”, disse Jones. O controle de qualidade fica evidente quando nos inteiramos da história sobre como deu a discussão em torno da escolha de “Billie Jean”. Jackson adorou a linha de baixo e a deixou mais longa, mas Jones achou que aquilo era demais. “Billie Jean tinha uma introdução que podia ser enxugada, ficou longa demais”, disse o produtor. “Eu afirmava que precisávamos entrar mais rápido na melodia, ao que Michael retrucou: ‘Mas ela é a cereja do bolo! É ela que me faz querer dançar!’ E quando Michael Jackson aponta o que é que o faz ter vontade de dançar, o resto tem de calar a boca.”




“Nunca havia visto Quincy tão envolvido em um projeto em especial, nunca”, lembra o engenheiro de som Bruce Swedien. “No primeiro dia, ele disse: ‘OK, gente, estamos aqui para salvar a indústria fonográfica’.” O advogado e consultor de negócios John Blanca enfatizou a participação de Michael: “Quincy com certeza fez um trabalho maravilhoso nesses álbuns. Mesmo assim, quando ouvimos as demos de Michael para ‘Billie Jean’ e ‘Beat It’, percebe-se que era ele de fato o grande idealizador por trás daquelas gravações”. O próprio Jackson falou sobre a quase obsessão pela perfeição que deu o tom às sessões: “Passávamos várias horas na sala, trabalhando às vezes até 18 horas por dia. Dormíamos nos sofás. Acordávamos, mixávamos mais um tanto e voltávamos a dormir”. “Era como se ele fosse chegar ao máximo daquela vez ou morrer tentando”, comentou Jones.













































É impressionante pensar que essa obra-prima, gravada em menos de três meses, estava assinada, selada e lançada em 30 de novembro daquele mesmo ano, em tempo para as vendas de Natal. O dueto de Paul McCartney, “The Girl Is Mine”, havia sido um single de largada surpreendente e encantador, lançado em meados de outubro, enquanto o álbum ainda estava sendo mixado. McCartney revelou: “Michael me ligou pala primeira vez no dia do Natal e não acreditei que fosse ele. Por fim, perguntei: ‘É você mesmo?’ Ele riu ao telefone e disse: ‘Você não está acreditando em mim, né?’”.

Um executivo da CBS, Larkin Arnold, lembra um certo grau de preocupação: “A primeira mixagem ficou horrível. Quincy disse: ‘Não posso lhe entregar isto. Precisamos fazer tudo de novo. Devolvo em dez dias.’ Aquilo foi realmente estressante, mas ele conseguiu”. Apresentou o que Nelson George chamou de “músicas bem ritmadas com arranjos brilhantes e impecáveis”. Apesar de o álbum se tornar popular imediatamente, não avançou muito até o final do primeiro trimestre do ano seguinte. Em fevereiro de 1983 chegou ao topo da parada da Billboard e – já a caminho de ser o disco campeão de vendas de todos os tempos – segurou o primeiro lugar durante incrível marca de 37 semanas (lugar que voltou a visitar várias vezes depois disso) e 42 semanas entre os dez mais. Atingindo o sucesso que Jackson havia planejado, sete das músicas do disco ficaram entre as dez mais. O período entre 1982 e 1986 rendeu a Jackson mais de 700 milhões de dólares. Houve época em que o disco chegou a vender um milhão de cópias por semana. Ele recebeu o reconhecimento do Grammy que vinha desejando, chegando a bater recordes com 8 prêmios em 1984. De modo significativo, eles vieram em 3 categorias distintas: pop, R&B e rock.

Foi o período em que ele se tornou um ícone além do pop, patenteando várias marcas simultaneamente. Não eram apenas as músicas de sucesso, incendiárias e irresistíveis como eram, mas seu trabalho absolutamente inovador na dança e nos videoclipes. Em ambas as áreas, ele mudou a música pop para sempre.

No Village Voice, o crítico Vincent Aletti escreveu: “Em Thriller, Jackson começou a abrir a cortina brilhante de sua inocência – algo mágico, irreal – para que pudéssemos ter acesso a aspectos mais obscuros e profundos. Uma vez escancarada essa cortina, o que se vê pode ser espantoso”.
Antes de chegar ao fenômeno global que ele se tornou, e da repercussão que obteve, vamos examinar o disco em si. Ao mesmo tempo em que soma aos sons sensuais de Off The Wall algumas lambidas extra de rock e disco mais pesada, seus temas são em geral mais sombrios, com um toque de sobrenatural e de paranóia. O gosto de Michael por filmes de horror exagerados fica evidente, mas também há um toque de desconforto e inquietude fervendo sob a superfície, resultado de ter de estar sempre sob os holofotes da fama. Como compositor, participou com 4 músicas (“Billie Jean”, “Beat It”, “Wanna Be Startin’ Somethin’” e “The Girl Is Mine”). Diz-se que ele não punha nada no papel. Apenas ditava a letra e cantava as melodias em um gravador de fita cassette.

Com um orçamento de 750 mil dólares, havia muita pressão no ar, sem contar com o grau de exigência que ele próprio havia estabelecido para si, obstinado que estava em criar e emplacar vários sucessos simultaneamente. Mas o dueto com McCartney em “The Girl Is Mine”, uma discussão jocosa entre dois amigos sobre uma disputada garota, obteve uma recepção morna, com alguns observadores comentando que se tratava de uma abordagem branda destinada a conquistar especialmente o público branco. Foi preciso que o segundo single, “Billie Jean”, viesse decidir a questão. Daí pra frente houve um rápido crescimento, com o mundo inteiro comentando sobre o vídeo de Jackson e suas aparições na TV. Sua música multicolorida estava quebrando as barreiras raciais. Jackson fora recebido na Casa Branca pelo presidente Ronald Reagan, lançara o moonwalk e o surpreendente e épico vídeo de Thriller, colocando o jovem canal MTV em evidência.

Tudo, porém, começa com o disco. Um disco que, curiosamente, contava com a participação de vários membros da banda de soft rock Toto. Era claro que Quincy Jones selecionara músicos da melhor qualidade, mas ele e Jackson, ambos bastante envolvidos com o projeto, ainda tinham suas discussões de vez em quando. As mixagens e remixagens, como comentamos, eram muito trabalhosas. Por um breve momento, um Jackson emocional ameaçou recomeçar o disco todo do zero. Ele estava desesperado para fazer com que “cada canção arrasasse”.

“Billie Jean” – com o belíssimo baixo de Louis Johnson que fisgava qualquer ouvinte – significava algo muito especial para ele, lidando, com muita ousadia para a época, com a questão de fãs obsessivos que o perseguiam. Uma dessas maníacas insistia que Michael era pai de um filho dela. Ele negou. Quincy contou: “De acordo com Michael, Billie Jean era sobre uma garota que havia escalado o muro de sua casa. Ele acordou de manhã e ela estava deitada ao lado da piscina em trajes de banho. Ela simplesmente havia invadido o lugar como uma caçadora sorrateira. E Michael dizia que ela o acusava de ser o pai de um de seus filhos gêmeos!”. A canção é um dos primeiros sinais das preocupações de Michael com seu status de celebridade, que era tanto uma maldição quanto uma bênção. Sempre havia fãs rondando Hayvenhurst.

O videoclipe é inesquecível. Michael fez dele uma nova forma de fazer a música chegar às massas, o meio fundamental de imprimir sua imagem e músicas na mente das pessoas. Antes de Billie Jean, a MTV exibia 100% de clipes de bandas formadas por brancos. Michael mudou isso. “Ele definiu totalmente a era do vídeo”, disse Tony Mottola, mais tarde presidente da Sony Music. “Ninguém antes ou depois de Michael poderia fazer o que ele fez pela linguagem do videoclipe. Ele trouxe a cultura da MTV para o primeiro plano”. Depois de Jackson era difícil ouvir uma canção pop sem associar a música com as imagens do videoclipe produzido para promovê-la. E o melhor do videoclipe de “Billie Jean” é que não há nada de extraordinário. A força é gerada pelo desempenho de Michael. Enquanto ele se move, andando com arrogância e rebolando, as pedras do calçamento que ele pisa se acendem, revelando um brilho verde. Ele se empertiga, faz piruetas e fisicamente retrata o ritmo e o clima da música, a personificação do “sentir”. A propósito, esta pode mesmo ser a melhor canção que ele já compôs, apesar de haver fortes concorrentes a esse título. E, conforme observou Alex Kapranos do Franz Ferdinand: “É a melhor linha de baixo de todos os tempos”. 

“Beat It” também provocou discussões acaloradas, Jackson e Jones queriam uma música de rock que tornasse o cantor atraente para o mercado de fãs brancos de rock. Por isso, o herói do Van Halen, Eddie Van Halen, foi chamado para contribuir com um inconfundível e autoral solo de guitarra. O músico comentou: “Todo mundo do Van Halen estava fora e eu pensei: quem vai ficar sabendo se eu tocar no disco desse moleque? Eu não queria nada. Pensei que talvez Michael pudesse me ensinar a dançar algum dia.” Jones lembrou: “Chamei o Eddie para fazer o solo e lhe disse: ‘Não vou lhe dizer o que tocar. O motivo de você estar aqui é por causa do seu toque pessoal’. E foi o que ele fez. Deixou sua marca”.

A canção era ao mesmo tempo um tributo e um comentário bastante atual e nada ingênuo sobre o clássico musical West Side Story e suas glamurizadas brigas de gangues. “A questão – disse Michael – é que ninguém precisa ser o cara durão. Dá pra você evitar uma briga sem deixar de ser homem. Não é preciso morrer para provar a masculinidade”.
A música foi com certeza uma prova para o equipamento de som do seu genuíno espírito roqueiro. Durante um playback no estúdio, as caixas de som começaram a pegar fogo. O engenheiro assistente Matt Forger lembra: “Saía fumaça das paredes”. “Nunca vi nada igual em 40 anos trabalhando no ramo”, riu Quincy. A jaqueta vermelha de Jackson no vídeo instantaneamente se tornou outro ícone dos anos 1980. O minifilme insistia na mensagem de que bater em retirada é melhor do que brigar, quando o personagem que ele representa acaba com uma briga ao transformar os membros da gangue em dançarinos e o galpão onde rolava a disputa numa pista de dança. “Eu queria escrever o tipo de música que eu mesmo compraria se fosse comprar um rock”, disse Jackson.

“Wanna Be Startin’ Somethin” havia sido escrita alguns anos antes e incrementou o som que Michael havia dominado em Off The Wall e nos melhores singles dos Jacksons. O baixo e percussão de ritmo selvagem e seu clímax de canto suaíli, sonicamente ousado, é surpreendente em seu vigor e escala. Jones convenceu Jackson a cantar vozes superpostas através de um longo cilindro de papelão, acrescentando efeitos inovadores. Aqui ele já começa a criticar as fofocas da imprensa, um tema a que ele voltaria em gravações posteriores. Perfeitamente compreensível, aliás. 



“Human Nature” é uma canção introspectiva, sombria e bela, uma coautoria com John Bettis, em que a voz de Jackson soa sedutora enquanto ele murmura: “Looking out across the morning (Observando a manhã)/ The city’s heart begins to beat (O coração da cidade começa a bater)/ Reaching out, I touch her shoulder (com um gesto, toco o ombro dela)/ I’m dreaming of the street (Eu sonho com a rua)”. Sua voz transborda carisma como nunca antes. Ele passou a cantar com um “estilo totalmente adulto”, notou a Rolling Stone, “e temperado com uma pitada de tristeza”. Stevie Wonder contou à revista Time que estava na casa de Quincy Jones na primeira vez que ouviu essa canção: “Nós ficamos dançando, embalados pela música. Foi algo totalmente mágico”.

“The Lady In My Life”, outra composição de Temperton, era uma balada carregada de emoção e sensualidade, enquanto a hipnótica “P.Y.T. (Pretty Young Thing)”, um sucesso imediato escrito por James Ingram e Quincy Jones, uma preciosidade do R&B.



Composto pelo melhor dos Cleethorpes, Rod Temperton, o grande sucesso “Thriller” originalmente se chamava “Midnight Man”, ou “Starlight”, como primeira escolha do compositor, mas ele acabou optando por “Thriller”, achando que soava mais diferente e que talvez tivesse mais apelo mercadológico como título de álbum. Seu uso de temas de filmes de horror, timbres arquetípicos, efeitos sonoros e vocais – tais como trovões, vendavais, passos, portas rangendo e cães uivando – evoca e conclama a atmosfera desejada de perigo e suspense. E também há a parte narrada por Vincent Price. “Rod foi genial”, relembra Jones. “Liguei para ele a caminho do estúdio e ele acrescentou esse toque brilhante de Edgar Allan Poe que nos deixou loucos”. “Quando a escrevi – Temperton comenta – havia imaginado essa parte falada no fim e não sabia bem o que iríamos fazer com aquilo. Uma coisa que pensei foi chamar uma voz famosa do gênero do terror para fazer a parte falada. A esposa do Quincy conhecia o Vincent Price e sugeriu que o chamássemos. Na verdade, mudei a fala no táxi, a caminho do estúdio”. Temperton viu Price saindo de sua limusine enquanto chegava de táxi. Pediu ao taxista que fosse para a porta dos fundos para ganhar alguns segundos. Depois, pediu à secretária para copiar rapidinho o que ele acabara de escrever para repassar ao ator, que era o “rei do macabro”. “Vincent sentou-se com o texto e gravou em duas tomadas.”

O então elaborado vídeo de “Thriller”, de um total de 13 minutos e 43 segundos, superou todos os orçamentos previstos até então. A um custo de quase um milhão de dólares, foi de longe o vídeo mais caro já feito na época. Lançado em 2 de dezembro de 1983, era um minifilme de horror, parte paródia, parte amedrontador, dirigido por John Landis, que havia feito Um Lobisomem Americano em Londres, um dos filmes favoritos de Michael. “Quero me transformar em um monstro”, disse o cantor a Landis. “Será que consigo?”. A voz de fundo de Vincent Price foi o ponto de partida para o início de um festival de movimentos assustadores e da dança dos zumbis, com Michael à frente, transfigurado por uma maquiagem assombrosa. “Foi um evento”, disse Quincy Jones com muita precisão.



“Eu sabia que queria fazer uma espécie de curta-metragem”, explicou Michael, “um cara sai com a namorada e confessa a ela que é diferente”. Até então, bem típico de Jackson. Mas o sujeito é, pelo menos nos sonhos dela, um lobisomem. “Eu queria me transformar em coisas diferentes.” John Blanca lembra que Michael não abriu mão da direção de John Landis, independente do preço estratosférico cobrado por ele. Tal como declarou um grande nome da música: “Michael lida com negócios com senso de grandiosidade. Cada novo empreendimento seu tem de ser maior do que a Disneylândia.” E essa empreitada, se era uma aposta, acabou se revelando um sucesso retumbante. O videoclipe de Thriller se estabeleceu como um marco da combinação perfeita entre arte e negócio no século XX.

Os lobisomem e zumbis ficaram tão ou mais assustadores quanto Jackson imaginava. Rick Baker, grande nome de Hollywood em efeitos e maquiagem, relembra: “Michael era muito tímido. Na primeira vez em que Landis veio nos filmar durante a produção da maquiagem de Michael, ele ficou tão nervoso que saiu correndo e foi se esconder no banheiro”. A atriz que fazia o papel da namorada, a ex-modelo da Playboy Ola Ray, ria e o provocava dizendo que queria ser a sua namorada. “Ele era uma gracinha, mas parecia uma criança. Ele adorava brincar, correndo atrás de mim ou pulando na minha frente quando eu estava atravessando uma porta.” As famosas seqüências de dança foram filmadas no pátio subterrâneo da estação de metrô do Rockfeller Center, em Manhattan, Nova York.

O vídeo teve um pré-lançamento na tela do cinema, a pedido de Michael. “Foi incrível”, disse Landis. Diana Ross e Warren Beatty estavam entre os espectadores. Pediram mais. Landis disse que não havia nada mais para mostrar. “Então mostra esse negócio aí de novo!”, gritou Eddie Murphy. E foi o que fizeram. 

Se o futuro Rei do Pop era então o indiscutível campeão peso-pesado dos videoclipes mais tecnológicos da história da música, pode parecer surpreendente que ele não tenha realizado uma turnê do álbum Thriller. Ainda assim, era sobre o palco que ele viria a aumentar sua fama e provocar como nenhum outro artista vivo um tremendo bochicho em torno da era Thriller.

A NBC estava para celebrar o 25º aniversário da Motown com um especial de TV em 25 de março de 1983. Thriller permanecia em primeiro lugar pelo que parecia uma eternidade e Michael foi convidado a fazer uma apresentação conjunta com os irmãos. Um incrível número de 47 milhões de espectadores ligaram para ver o programa.

A Motown andava meio mal das pernas na época, tanto em termos de qualidade quanto de vendas, mas Berry Gordy argutamente sabia que aquele seria um lance profissional muito grande. Fazendo com que a festa fosse um evento beneficente para portadores de anemia falciforme, tornou difícil para as estrelas recusarem o convite, mesmo aquelas com quem ele havia se desentendido no período. Michael também estava sendo pressionado pelos irmãos. Assim, o Pasadena Civic Auditorium de Los Angeles assistiu manifestações emocionadas da reunião de Diana Ross e as Supremes, Marvin Gaye, The Four Tops, The Temptations, Stevie Wonder, Martha Reeves e, naturalmente, The Jacksons.

Mas foi Michael quem tornou a noite inesquecível. Ele estava prestes a fazer uma nova turnê pelos Estados Unidos com The Jacksons para promover o álbum Victory (que incluía um dueto com Mick Jagger, em “State of Shock”), mas não se sentia mais parte do grupo. Sabia que queria deixá-los, tinha se tornado maior do que eles, mas concordara em fazer uma apresentação conjunta desde que pudesse fazer uma participação solo (como faria na turnê). Tinha algo especial planejado para “Billie Jean”. Foi nessa noite que ele introduziu o Moonwalk.

Enquanto os irmãos se retiravam do palco depois do clímax do conjunto com “I’ll Be There”, Michael, em uma jaqueta de lantejoulas azuis e uma luva branca, meias brancas aparecendo sob calças pretas mais curtas, completou o visual com um chapéu de feltro preto. Começou então a se movimentar de um modo tão surpreendente que até o mais cético dos observadores chamaria aquilo de poesia em movimento. Movia-se e fazia paradas dramáticas; e os movimentos semelhantes a raios recomeçavam. Era a imagem de um artista em sua melhor forma, e até mesmo os deuses e deusas mais antigos da Motown ficaram de queixo caído.

E então veio o Moonwalk. Para a nova geração aquele era o momento Elvis pélvis, o momento do corte de cabelos à Beatles. Na verdade, Michael não “inventou” o passo. Artistas mais antigos como Fred Astaire, Cab Calloway e Marcel Marceau haviam criado a ilusão de estarem deslizando para trás, e em 1982 Jeffrey Daniel, do grupo disco Shalamar, já o havia usado, conforme documentado no Top of the Pops. Michael o vira no Soul Train e há rumores de que ele tenha pedido a Daniels que lhe ensinasse o passo. Mesmo assim, como era próprio dele mesmo, Michael Jackson foi além. Sua arte era a de um mágico.

No dia seguinte o grande Fred Astaire em pessoa ligou para ele para lhe dar os parabéns, dizendo: “Você dança pra caramba, filho. Você balançou o coreto deles ontem à noite. Você tem fúria nos pés. Eu também sou assim”. Michael logo foi visitá-lo em sua casa em Beverly Hills e ensinou o amigo de 84 anos a executar o moonwalk (mais tarde viria a dedicar sua autobiografia, apropriadamente chamada de Moonwalk, a Astaire). Outro herói de Michael, o astro de Cantando na Chuva, Gene Kelly, também ligou, igualmente efusivo. Daquele dia em diante, pátios das escolas dos mais diversos lugares se viram invadidos de alunos vestidos como Jackson tentando imitar seus passos, chamando-o de “o cara da luva”. E as vendas de Thriller estouraram no mundo inteiro.

A Entertainment Weekly delirou: “Um jovem delicado, com a voz embargada, uma luva branca e sapatos mágicos [...] pegou o microfone e começou a escrever um novo capítulo na história da música americana [...]. Com gritos agudos, gemidos e piruetas, ele tirou o fôlego dos espectadores. A indústria da música teve de rever naquele momento todos os seus antigos parâmetros de sucesso”.

“Quando ele apresentou o moonwalk no Motown 25 – lembra John Blanca – foi um evento e tanto. Aqueles passos fizeram com que o álbum vendesse um milhão de cópias na semana seguinte”. As vendas totais já estavam chegando aos 25 milhões. “Todos queriam ser como ele”, disse o astro de R&B Akon. “Ele era um tipo de rei na África.” Sir Bob Geldof, que disse que Jackson era “um artista brilhante e um dançarino fantástico”, viu Jackson fazer o moonwalk ao vivo no Harlem Apollo naquele ano. “Naquele solo sagrado, com a nata da música americana presente, ele interpretou ‘Billie Jean’ aos passos do moonwalk e foi simplesmente o máximo. A platéia foi à loucura.”

Thriller havia se tornado um álbum histórico, um monstro maior e mais voraz do que qualquer coisa que John Landis e Rick Baker jamais poderiam imaginar. 1983 viu “Billie Jean”, “Beat It”, “Thriller”, “Wanna Be Startin’ Somethin” e “Say Say Say” (com McCartney) dominarem as paradas de singles. “P.Y.T. (Pretty Young Thing)” juntou-se à lista em 1984. O mesmo aconteceu com regravações  do tempo da Motown, como “Farewell My Summer Love”.

A ambição de Jackson havia sido satisfeita. O Grammy Awards contribuiu desta vez, fazendo do evento de 1984 praticamente um tributo a ele. Seus 8 prêmios – um deles de Melhor Álbum Infantil por seu trabalho em ET, O Extra-Terrestre, de Steven Spielberg – quebraram o recorde de Paul Simon de 7 troféus, conseguido em 1970 com o álbum de Simon & Garfunkel Bridge Over Troubled Water.

Michael, vestido com um uniforme militar completo e óculos escuros de aviador, foi acompanhado pela atriz Brooke Shields e pelo ator infantil Emmanuel Lewis à cerimônia. Dizem que o jovem Lewis declarou: “Michael é o melhor amigo que se pode ter. É educado, e não grosseiro como outros caras”. Neil Diamond parabenizou Michael por ter conseguido algo que nenhum de seus grandes modelos, James Brown ou Diana Ross, jamais havia conseguido.

Além dos Grammies, Michael ganhou 8 American Music Awards e 3 MTV Awards. Foi convidado a ir à Casa Branca em 14 de maio de 1984 e recebeu um prêmio pelos serviços a um fundo de caridade que auxiliava pessoas a se livrarem de álcool e drogas (A Secretária Americana dos Transportes, Elizabeth Dole, havia pedido para usar “Beat It” em uma campanha para desestimular adolescentes a beber). “Aquele foi um dia maravilhoso”, disse John Blanca. “O Presidente Reagan foi muito gentil.” A primeira dama, Nancy Reagan, se saiu com essa: “Tão diferente! Um garoto que sussurra quando fala. Que usa um luva em uma só mão e que usa óculos escuros o tempo todo. Não sei o que pensar disso”. Para ser justo, também se comenta que ela disse: “Quem sabe quantas vidas foram salvas graças à mensagem inspiradora de Michael, e à influência de suas músicas”.

Jackson ganhou uma estrela na Calçada da Fama em Hollywood. Ele atribuía tudo isso, de uma forma tipicamente modesta, a seus bichos de estimação. “Adoro animais”, ele disse em 1983. “Tenho uma lhama, dois cervos, um carneiro chamado Mr. Ted e todos os tipos de pássaros e cisnes. E uma cobra chamada Muscles”. Bubbles, o chimpanzé, só foi adotado em 1985. “Acho que a natureza e os animais são grandes inspirações para o meu trabalho. Grande parte do meu sucesso vem disso. Eu simplesmente encaro a vida de frente.”

Porém, nem tudo saía de acordo com os planos. Michael Jackson aceitou um bom cachê para filmar um anúncio da Pepsi Cola (apesar de se recusar a bebê-la). Durante a filmagem em Los Angeles, seu cabelo pegou fogo. A caríssima pirotecnia fugiu ao controle. O diretor do comercial, Bob Giraldi (que havia feito o vídeo de “Beat It”) contou que ele se deu conta que, de repente, Michael estava tentando se livrar da jaqueta, achando que as chamas haviam se espalhado. “O fogo foi controlado assim que começou”, ele lembra. Mas foi necessário usar extintores de incêndio e foi preciso derrubar Jackson no chão.

A cobertura dos meios de comunicação foi carregada de histeria e o caso viria a permear o resto da vida de Michael. Ao saber que haveria câmeras de TV quando ele chegasse ao hospital para um check-up preventivo depois do incidente, Michael calçou sua luva branca para que seu aceno da maca fosse mais fotogênico. Coisa de artista, isto é, considerando-se que sua cabeça estava enfaixada e que ele realmente havia sofrido queimaduras de segundo grau. 

A excentricidade viria se tornar a parte ruim da marca Michael Jackson, mas não ofuscaria sua música, seus vídeos nem o seu carisma vibrante. Ele havia levado a fama a um novo patamar. Era reverenciado por pessoas de qualquer cor ou credo, desde que essa pessoa tivesse olhos e ouvidos. Apesar de se tornar comum a partir de então, o R&B negro e o rock branco jamais haviam se fundido em um som globalmente popular, e nunca antes, com certeza, essa fusão fora orquestrada por um grande astro, e certamente não de modo tão forte. Suas coreografias eram imitadas em toda parte. Não se percebia o astro como predominantemente negro nem branco. Percebia-se apenas como Michael Jackson, e isso estava além dessas questões.

“Sua nova atitude conferiu a Thriller um apelo emocional mais profundo do que qualquer de seus trabalhos anteriores, marcou outra linha divisória no desenvolvimento criativo deste performer prodigiosamente talentoso”, escreveu Christofer Connely na Rolling Stone. Ele o chamou de “um LP delicioso, com uma mensagem angustiante e tenebrosa”. Vários críticos reconheceram “Human Nature” como talvez a melhor canção do álbum, se não a mais aclamada. Um ano após o lançamento do disco, a revista Time observou: “A pulsação da América e de boa parte no resto do mundo bate irregularmente, seguindo os passos marcados de ‘Billie Jean’, a ária do asfalto de ‘Beat It’, e os acordes supremamente arrepiantes de ‘Thriller’.”
Costuma-se dar pouca atenção à visão comercial e às habilidades de Jackson e de sua equipe para lidar com os negócios nessa época. John Blanca afirma ter conseguido o maior índice de direitos autorais de todos os tempos no setor até então: o astro recebia cerca de dois dólares por cada CD vendido. Um documentário, The Making of Thriller, financiado pela MTV, vendeu cerca de meio milhão de cópias em poucos meses. Havia montanhas de souvenirs e produtos mercadológicos, que incluíam bonecos de Michael Jackson (vendidos a 12 dólares cada). Thriller havia conseguido, como Quincy Jones havia brincado no início, salvar a indústria fonográfica. A revista Time escreveu: “O aparecimento de Thriller deu à indústria da música seus melhores anos desde a euforia de 1978 [...] restaurando a confiança”. Saudava Jackson como “grande astro de disco, rádio, e vídeo de rock. A equipe de um homem só que salvou a indústria da música. Um compositor que marca o ritmo por toda uma década. O dançarino com os pés mais encantados da rua. Um cantor que cruza todas as fronteiras de gosto, estilo e de cor”.



Thriller era a própria cara da década de 1980. Em 7 de fevereiro de 1984, foi inscrito no Guiness Book, o livro dos recordes mundiais, como o álbum de maior vendagem de todo o planeta. Manteve o primeiro lugar durante 80 semanas, e foi o campeão de vendas da América por dois anos consecutivos, em 1983 e 1984. Vendeu mais de 4 milhões de cópias no Reino Unido. Mesmo os campeões populares de R&B que dominaram as paradas de singles até hoje ficaram bem abaixo das marcas que ele conseguiu. Em 2009, a MTV e o VH1 o elegeram o melhor álbum lançado na história da MTV. Ele foi catalogado na Biblioteca do Congresso dos EUA como um item considerado “culturalmente significativo”.

Corretíssimo! Segundo os últimos números pesquisados, as vendas mundiais de mais de 110 milhões de cópias confirmam sua universalidade. Thriller também não foi, como muitos dos produtos da década, relegado à esfera cômica à medida que os anos 1980 viravam nostalgia. Uma edição remasterizada foi lançada em 2001, incluindo material extra e a demo original de Jackson para “Billie Jean”, e, em 2008, no seu 25º aniversário, foi lançado Thriller 25, com remixagens por fãs atuais, como Kanye West, Will.i.am e Fergie, do Black Eyed Peas, e Akon. O DVD de bônus incluía aquele Moonwalk dos 25 anos da Motown. Mesmo se tratando de um relançamento, o álbum chegou ao 2º lugar nas paradas dos EUA e ao 3º no Reino Unido, ganhando o disco de ouro em 11 países. E Thriller voltou a ser campeão de vendagens após os trágicos acontecimentos de junho de 2009.

Portanto, não resta dúvida de que Michael ainda está muito vivo, e provavelmente seja hoje o homem mais famoso da face da Terra. E talvez seja assim mesmo que devemos nos recordar dele para sempre. Ele continua a ser tão genial quanto o seu moonwalk.

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